A prevalência de transtornos mentais na infância e adolescência é de 10 a 15%, em diferentes países, independente da região do planeta. Isso significa que numa classe de 40 alunos, 4 a 6 alunos possivelmente possuem transtornos psiquiátricos. Esse número é muito maior quando se acompanha alunos durante um ano e quando se descreve sintomas, e não somente transtornos psiquiátricos (que é um conjunto específico de sintomas que devem estar presentes para concluir um diagnóstico).
Esses números podem parecer exagerados, mas certamente não serão estranhos se você pensar na sua história escolar. Na sua classe, em algum ano do ensino fundamental ou médio, possivelmente você lembraria de alguns alunos extremamente tímidos, introvertidos e ansiosos, com dificuldades para lidar com novidades e desafios; outros com muita agitação, hiperatividade e que se distraiam facilmente; alguns “do contra”, agressivos e desafiadores; outros ainda com muita dificuldade para aprender. Poderíamos ainda pensar nos alunos com rituais estranhos que atrapalham suas vidas; aqueles com um comer descontrolado ou excessivamente controlado; alunos com forte variação de humor ou aqueles que usavam drogas lícitas e ilícitas de forma precoce.
Assim, as questões da psicologia e psiquiatria estão presentes na infância e adolescência, independente se queremos aceitá-las ou não. Outro dado relevante é que os transtornos psiquiátricos em adultos, na sua maioria, surgem durante a infância e adolescência, até os 18 anos. Portanto, estudar a infância e adolescência e cuidar da saúde mental de crianças e adolescentes é uma forma de cuidarmos da saúde mental da sociedade.
Estudar o desenvolvimento humano nas crianças, adolescentes e adultos, traz alguns benefícios já bem estabelecidos, como: descrever os padrões esperados e inesperados para cada idade; identificar precocemente populações de risco que merecem ajuda específica e realizar intervenções precoces para proteger indivíduos na sua trajetória desenvolvimental. Essas intervenções, em sua grande maioria, são psicossociais, ou seja, não passam pelo uso de medicamentos. A psicofarmacologia deve ser direcionada para uma MINORIA de casos mais graves com indicações precisas.
A psiquiatria da infância e adolescência é uma área que busca descrever o indivíduo, entender sua conexão com o ambiente e contextualizar historicamente seu desenvolvimento. Neste percurso, o psiquiatra pode ser visto como um parceiro que busca capacitar pais, professores, crianças e adolescentes para aprimorar o cuidado com o próprio sofrimento. A psiquiatria da infância e adolescência não deve ser uma especialidade que medica para resolver problemas, e sim organiza intervenções para que crianças e famílias consigam resolver os próprios problemas e desafios impostos pela vida.